Paraparesia Espástica Tropical

Textro escrito por Carolina Curaça, dentista, e revisado pelo Dr. Wladimir Bocca Vieira de Rezende Pinto (Médico neurologista assistente do Ambulatório de Doenças Neuromusculares da Escola Paulista de Medicina-Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP)

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Introdução

A paraparesia espastica tropical, também conhecida como mielopatia associada ao vírus HTLV I-II, é a condição clínica-neurológica mais temida e mais típica causada pela infecção crônica do vírus HTLV.

O vírus HTLV foi descrito em 1979-80 pelo cientista Robert Charles Gallo, o mesmo que alguns anos depois descreveu o vírus da AIDS.

O HTLV é um retrovírus, ou seja, ele infecta uma célula do hospedeiro, altera seu DNA original e se replica dentro do organismo. Esse retrovírus tem preferência pelos linfócitos T, as células brancas do sangue, que possuem mecanismos para destruição de células malignas que queiram se disseminar no organismo, defendendo-o contra bactérias, vírus e fungos.

Foram descritos quatro tipos de HTLV (I, II, III, IV), sendo os dos tipos  I (subtipos) e II os de maior importância neurológica.

 

HTLV I:

Entre 15 e 25 milhões de pessoas no mundo têm a infecção crônica, mas, nem todas as pessoas que possuem a infecção terão alguma sintomatologia clínica.  A paraparesia espástica tropical acomete de 1 a 4% dos indivíduos com infecção crônica pelo HTLV.

Até 4% dos indivíduos podem desenvolver a leucemia de celulas T do adulto.

Existem regiões no mundo mais endêmicas para a infecção do HTLV, como o Brasil, a África sub-saariana, as ilhas do Caribe e o Japão (região de Okinawa).

Cerca de 20% da população indígena do Brasil nos estados do Amazonas, Pará e Mato Grosso testam positivo para o HTLV I.

IMPORTANTE: O retrovírus é uma co-infecção do vírus HIV, trazendo a necessidade de averiguação da infecção por HIV quando detectada a infecção por HTLV.

HTLV II:

Vírus comum entre pessoas que usam drogas ilícitas injetáveis, o HTLV II tem uma menor frequência de progressão de sintomas nos indivíduos infectados. O maior risco de complicação dermatológica é a presença conjunta do vírus mycosis fungóides.

A transmissão do vírus ocorre por via vertical (mãe pra filho), pela placenta, pelo canal de parto ou ainda na amamentação; via sexual, pela exposição de ulcerações na região genital, dependendo da carga proviral do indivíduo; via parenteral: por pessoas usuárias de drogas que compartilhem seringas, por transfusão de sangue (antes de 1993, quando não se testava o sangue do doador para estes vírus).

IMPORTANTE: não é todo indivíduo com infecção pelo HTLV que vai desenvolver o quadro neurológico de paraparesia espástica tropical. A manifestação dos sintomas está muito relacionado com a elevada carga de vírus; com a condição do sistema imunológico de cada paciente (presença ou ausência de alguns complexos do sistema imunológico) e com o subtipo A do HTLV I.

A paraparesia espástica tropical ocorre no trajeto do trato córtex espinhal, provocando uma série de defeitos na ligação entre o neurônio motor superior e o neurônio motor inferior, localizado na medula espinhal, causando a deficiência da função desse neurônio motor superior.

A doença começa com um processo inflamatório crônico na região do córtex cerebral e evolui para a perda progressiva neuronal nos axônios, responsáveis pela transmissão da informação no cérebro.

Atingem também as vias sentitivas (trato espino-cerebelares) referentes à dor (espino talâmicos), com o comprometimento mais difuso da função da medula e dos núcleos responsáveis pelo controle urinário e pelo funcionamento do intestino grosso.

 

Diagnóstico

Histórico clínico de paraparesia espástica crural (fraqueza dos membros inferiores que progride com rigidez nas pernas), reflexos aumentados, bexiga neurogênica (incontinência urinária, perda de urina ou dificuldade de urinar) e/ou disfunção sexual e/ou constipação intestinal/incontinência fecal.

Em 5 a 10% dos casos, há evolução para a fraqueza dos membros superiores (tetraparesia).

Auxilia o diagnóstico o contexto epidemiológico, a exemplo da localização do indivíduo – o Brasil é uma região endêmica –, da atividade profissional, da existência de outros infectados na família, por meio da transmissão vertical, e de múltiplas transfusões sanguíneas.

Confirmados os sintomas clínicos, é feita a testagem sorológica no sangue ou sangue-líquor. Em caso de positivo, é necessário realizar o teste genético Western-blot ou RT-PCR pró-viral para fechar o diagnóstico.

Outros exames complementares são necessários para a exclusão de outras doenças com as mesmas características clínicas, como os exames de imagem: ressonância magnética do crânio, medula cervical e toráxica e eletroneuromiografia.

 

Sintomas

Geralmente, a espasticidade dos membros inferiores (fraqueza e rigidez muscular) ocorre de uma forma bem lenta, podendo estagnar ao londo da vida. Mas, na forma de transmissão vertical, existe uma progressão mais acentuada dos sintomas, principalmente nas primeiras duas décadas de vida, levando o indivíduo a usar a cadeira de rodas para a locomoção.

Indivíduos idosos que com outras doenças crônicas podem ter seu quadro de progressão acelerados.

Pacientes com infecção crônica por HTLV têm ainda risco maior de desenvolver neoplasias de cabeça e pescoço e bexiga e leucemia.

 

O HTLV I e II podem implicar uma série de complicações neurológicas:

  1. Paraparesia espástica tropical:
  2. Complicações miopáticas: inflamações no sistema autoimune, que também causam a fraqueza muscular;
  3. Complicações neuropáticas: sensibilização neuronal que causa bastante dor, bexiga neurôgenica, disfunção erétil, dismotibilidade gastro intestinal e alterações sensitivas;
  4. Complicações sistêmicas: oftamológicas: uveítes, mais comuns no Japão; dermatológicas: dermatites infecciosas, mais comum em crianças; pulmonares: pneumonias; doenças autoimunes: leucemia de cel T do adulto (lesões cutâneas em forma de flor (flowercel) começam o quadro), artrites, infecções oportunistas, candidíase e desarranjo gastrointestinal;
  5. Envolvimento neuropsiquiátrico / neurológico central: em pacientes que possuem há muito tempo a infecção crônica pode ocorrer um declínio cognitivo, ou uma síndrome demencial, ou depressão crônica.

 

Tratamento

A paraparesia espastica tropical não tem cura, mas tratar os sintomas faz toda a diferença na qualidade de vida dos pacientes. Incluem-se no tratamento:

  • Fisioterapia motora para espasticidade e melhora da marcha do paciente, associada a alguns medicamentos como baclofeno, tizanidina e toxina botulínica;
  • Medicações e exercícios para a bexiga neurogênica;
  • Controle da dor crônica,
  • Em poucos casos, quando não há boa resposta medicamentosa, é realizada uma cirurgia, a rizotomia dorsal seletiva;
  • Novas terapias ainda em estudo, como o uso de anticorpos monoclonais e o uso crônico de corticóides.

Fontes:

Lannes P, Neves MAO, Machado DCD, Miana LC, Silva JG, Bastos VHV. Paraparesia Espástica Tropical – Mielopatia associada ao vírus HTLV- I: possíveis estratégias cinesioterapeuticas para a melhora dos padrões de marcha em portadores sintomáticos. Rev Neurocienc 2006; 14(3):153-160.

Palestra do segundo dia do I Webnário de Paraparesias Espásticas Correlatas do Brasil, (Paraparesia Espástica Tropical, Dr. Wladimir Bocca V. R. Pinto). Canal do youtube aspecbrasil.